Arrancar de modo brusco, com derrapagem, queima de pneu ou qualquer outra manobra exibicionista, é infração gravíssima com fator multiplicador dez e gera suspensão imediata do direito de dirigir, além de remoção do veículo. Essa conduta está descrita no artigo 175 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) como “utilizar-se de veículo para demonstrar ou exibir manobra perigosa, mediante arrancada brusca, derrapagem ou frenagem com deslizamento ou arrastamento de pneus”. Portanto, quem comete esse ato não apenas recebe multa pesada: também perde a carteira por meio de processo administrativo de suspensão, independentemente da soma de pontos. Conhecer todos os detalhes legais, técnicos e práticos dessa infração é essencial para se defender, evitar prejuízos e, principalmente, preservar vidas.
Conceito de arrancada brusca
Arrancada brusca é o ato de acelerar repentinamente, fazendo o veículo partir com força suficiente para provocar perda de aderência, estalo dos pneus ou ruído excessivo. Normalmente vem acompanhada de fumaça, arrastamento ou marcas de borracha no asfalto. A lei a considera demonstração de manobra perigosa porque aumenta o risco de perda de controle, colisões e atropelamentos. Não importa se o condutor estava sozinho numa rua vazia: basta que a via seja pública e que a manobra exponha terceiros a risco potencial.
Fundamento legal do artigo 175 do CTB
O artigo 175 integra o Capítulo XV (Infrações) do CTB. Sua redação tipifica a manobra perigosa como infração autossuspensiva, ou seja, que provoca suspensão do direito de dirigir sem depender de pontuação acumulada. As penalidades previstas são:
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Multa gravíssima multiplicada por dez (valor básico de R$ 293,47 × 10 = R$ 2.934,70).
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Suspensão do direito de dirigir por prazo mínimo de dois a oito meses (ou até dois anos em caso de reincidência no período de 12 meses).
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Recolhimento imediato do documento de habilitação.
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Remoção do veículo como medida administrativa.
Diferença entre arrancada brusca e simples aceleração
Acelerar rapidamente em semáforo verde para acompanhar o fluxo não configura infração, desde que não haja perda de tração, “cantada de pneu” ou derrapagem. O ponto central é a exposição deliberada ao risco. Se a aceleração gerar barulho excessivo, fumaça ou instabilidade, o agente fiscalizador considera demonstrada a manobra perigosa. Fotos, vídeos, marcas no piso ou testemunhos servem como elementos de prova.
Natureza gravíssima com fator multiplicador
Infrações gravíssimas podem receber multiplicadores de duas a sessenta vezes. O fator dez do artigo 175 coloca a arrancada brusca entre as punições mais altas do CTB, junto de condução sob efeito de álcool (art. 165) e recusa ao teste de alcoolemia (art. 165-A). O valor elevado reflete a intenção de coibir práticas que historicamente causam graves acidentes, como “racha” e exibições.
Suspensão imediata do direito de dirigir
Como infração autossuspensiva, a arrancada brusca leva à abertura de processo de suspensão mesmo que o condutor não tenha nenhum ponto anterior. O agente recolhe a CNH, emite recibo e notifica o Detran. O órgão, por sua vez, instaura processo administrativo: envia notificação da autuação, concede prazo para defesa prévia, julgamento e eventual recurso. Se confirmada a punição, o motorista deve entregar a CNH e cumprir o período de suspensão, além de passar por curso de reciclagem.
Processo administrativo de suspensão
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Notificação de autuação – enviada ao endereço cadastrado.
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Defesa prévia – prazo de 30 dias para contestar forma, assinatura, identificação do veículo, vícios de procedimento.
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Julgmento da autuação – se mantida, converte-se em penalidade.
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Notificação da penalidade – novo prazo de 30 dias para recurso à Jari.
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Recurso ao CETRAN – última instância administrativa.
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Cumprimento da suspensão – entrega da CNH, frequência em curso de reciclagem e aprovação em prova teórica.
Durante o trâmite, o condutor pode continuar dirigindo, salvo apreensão judicial ou penal.
Diferença entre suspensão e cassação
Suspensão é temporária, prevê devolução da carteira após o período e curso de reciclagem. Cassação é definitiva por dois anos: o condutor perde a habilitação e precisa iniciar todo o processo de obtenção (curso, exame médico, prova teórica e prática) após o prazo. Cassação ocorre, por exemplo, quando se dirige com a CNH suspensa.
Impactos na pontuação da CNH
Além da suspensão direta, a infração soma sete pontos. Se o condutor sofrer outras autuações na mesma janela de 12 meses, esses pontos contam para eventual processo de suspensão por excesso de pontuação, distinto do processo autossuspensivo. Assim, quem já está com 30 pontos e recebe uma autuação por arrancada brusca pode enfrentar dois processos simultâneos.
Reincidência e agravamento
Reincidir em arrancada brusca dentro de 12 meses faz o prazo mínimo de suspensão saltar para oito meses e o máximo para dois anos. A multa também é aplicada novamente, totalizando quase seis mil reais em duas infrações. Tribunais consideram reincidência circunstância agravante em ações de reparação de danos se ocorrer acidente.
Possíveis enquadramentos criminais
Se a arrancada brusca for praticada em competição não autorizada (“racha”), o condutor pode ser enquadrado no artigo 308 do CTB, crime com pena de detenção de seis meses a três anos e suspensão ou proibição de dirigir. Caso provoque lesão corporal ou morte, responde pelos artigos 302 ou 303, cujas penas foram endurecidas em 2020 e podem chegar a oito anos.
Responsabilidade civil em caso de acidente
Quando a manobra perigosa resulta em colisão, atropelamento ou dano patrimonial, o condutor responde civilmente com base no artigo 927 do Código Civil. A infração gravíssima gera presunção de culpa, facilitando a condenação. As reparações incluem danos materiais, morais e, se necessário, pensão vitalícia à vítima.
Jurisprudência sobre arrancada brusca
Tribunais estaduais têm confirmado autuações por artigo 175 mesmo sem abordagem, desde que existam vídeos de câmeras de segurança ou de celulares, testemunhas coesas e identificação de placa. Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo rejeita defesa baseada em “test-drive” em via pública, sustentando que a exibição caracteriza risco indiferenciado a terceiros.
Defesas comuns e possibilidades de êxito
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Ilicitude da prova – filmagem sem indicação de data, hora ou local claro pode ser contestada.
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Ausência de perigo – se o veículo derrapou por derramamento de óleo ou areia, não houve demonstração voluntária de manobra perigosa.
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Erro de tipificação – às vezes o agente registra artigo 175 quando o excesso de velocidade era mais apropriado; tipificação errada permite anulação.
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Ausência de menção a testemunhas – autos genéricos, sem descrição detalhada, podem ser considerados nulos.
Ainda assim, estatisticamente, a margem de sucesso de recursos contra artigo 175 é baixa quando há registro claro em vídeo.
Importância da prova material
A orientação do Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito exige que o agente descreva a manobra, identifique placa, local, horário e preferencialmente registre foto ou vídeo. Para o condutor, as mesmas tecnologias podem auxiliar na defesa: câmeras veiculares (dashcams) demonstram contexto, velocidade e intenções.
Consequências para motoristas profissionais
Condutores de ônibus, caminhão ou aplicativo que sofrem suspensão ficam impedidos de trabalhar. Algumas empresas, diante de infração autossuspensiva, rescindem o contrato por justa causa, alegando falta grave. Transportadoras exigem histórico de CNH sem suspensões nos últimos cinco anos para novas contratações.
Comparativo com outras infrações autossuspensivas
Artigo | Conduta | Fator multiplicador | Suspensão imediata |
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165 | Dirigir sob influência de álcool | 10 | Sim |
165-A | Recusar teste de alcoolemia | 10 | Sim |
175 | Arrancada brusca, derrapagem | 10 | Sim |
244 I | Conduzir moto sem capacete | — | Sim |
253-A | Bloquear via deliberadamente | 20 | Sim |
A arrancada brusca está no mesmo patamar de gravidade que dirigir embriagado.
Efeitos no seguro veicular
Companhias de seguros consultam banco de dados de infrações. Suspensão por artigo 175 indica perfil de alto risco, acarretando aumento no prêmio ou mesmo recusa de cobertura. Se o sinistro ocorrer durante a manobra, a seguradora pode negar indenização por agravamento voluntário do risco.
Educação e campanhas de conscientização
Órgãos de trânsito lançam periodicamente campanhas contra manobras perigosas, focadas em jovens condutores. A mensagem central é que exibição em via pública não se confunde com esporte a motor em local apropriado. Simuladores mostram como poucos metros de derrapagem aumentam em 70 % a chance de colisão.
Tecnologias veiculares de controle de tração
Veículos atuais possuem sistemas de controle de tração (TCS) e estabilidade (ESP), que reduzem potência ao detectar perda de aderência. Apesar disso, condutores podem desativar tais sistemas manualmente para “queimar pneu”. Manter esses dispositivos ligados e calibrados é medida recomendada para evitar infrações involuntárias.
A cultura do exibicionismo automotivo
Exibição de arrancadas e derrapagens é antiga na cultura automotiva e ganhou força com redes sociais. Vídeos de “0 a 100 km/h” em ruas urbanas viralizam, mas também fornecem prova contra o autor. Influenciadores condenados por incentivar manobras perigosas enfrentam ações civis e criminais, além de suspensão da CNH.
Responsabilidade de organizadores de eventos
Eventos de “arrancada” em áreas abertas dependem de autorização municipal e do órgão rodoviário. Se não houver interdição e sinalização adequadas, a arrancada pública é irregular; tanto organizador quanto participante respondem pelo artigo 175. Houve casos de prefeituras multadas solidariamente por omissão na fiscalização.
Manobras perigosas com motocicletas
No universo das duas rodas, arrancada brusca inclui “zerinho”, “borrachão” e “empinar”. O artigo 244 III também tipifica “executar manobra perigosa” como infração gravíssima e prevê suspensão. Assim, motociclista pode ser autuado em combinação de artigos 175 e 244 III, acumulando multas e prazos de suspensão.
Arrancada em vias privadas e condomínios
O CTB aplica-se somente a via aberta à circulação pública. Em condomínio fechado, a princípio, não há autuação, salvo se a via for equiparada a via pública por convenção municipal. Contudo, se o condutor sair do condomínio e continuar a manobra em via pública, caracteriza-se infração.
Destinação do valor arrecadado
Metade da receita vai para o Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset); a outra metade fica com o órgão autuador para sinalização, policiamento e educação. Viabilizar pistas de arrancada em autódromos e cursos de direção defensiva é uma das finalidades admitidas pelo Funset.
Atualizações legislativas
A Lei 14.071/2020 alterou regras de pontuação, mas manteve integralmente o artigo 175. Nos debates parlamentares, houve proposta para majorar ainda mais a multa para reincidentes, porém o texto final não alterou o fator multiplicador. Projetos de lei em tramitação discutem estender a penalidade de cassação para terceira reincidência.
Exemplo prático de autuação
Durante patrulhamento noturno, a Polícia Militar Rodoviária flagrou um esportivo saindo de posto com forte aceleração, roda traseira fumaceando e ruído acima de 95 dB. A câmera de bordo capturou placa, hora e local. Abordado 500 metros à frente, o condutor confessou “teste de desempenho”. Foi lavrado auto de infração 516-80, recolhida a CNH e removido o veículo. Trinta dias depois, recebeu notificação de abertura de processo de suspensão; trinta dias depois apresentou defesa prévia, alegando excesso de carga no asfalto. Defesa rejeitada, a penalidade foi aplicada por seis meses. Após cumprir o prazo e fazer curso de reciclagem, recuperou a habilitação.
Boas práticas para evitar a infração
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Controle emocional – evite exibir potência do veículo em locais públicos.
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Use pistas apropriadas – autódromos e kartódromos oferecem track-days legais.
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Mantenha sistemas eletrônicos ativos – TCS e ESP ajudam a evitar derrapagem.
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Planeje conteúdo – se produzir vídeos automotivos, grave em locais fechados.
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Atualize-se – participe de curso de direção defensiva a cada três anos.
Perguntas e respostas
Qual o valor exato da multa por arrancada brusca?
R$ 2.934,70, pois o fator multiplicador é dez sobre a multa gravíssima básica.
Recebo quantos pontos?
Sete pontos, mas a suspensão é automática, independentemente da pontuação.
Posso dirigir enquanto recorro?
Sim, até a decisão final que imponha a penalidade de suspensão.
A CNH é cassada?
Não, é suspensa. Só se dirigir com a carteira suspensa é que ocorrerá cassação.
A infração se aplica em estacionamento de supermercado?
Se a área for de uso público, mesmo sendo particular, a lei se aplica.
Carro de aplicativo sofre alguma sanção adicional?
A plataforma pode bloquear o motorista por violar as regras de segurança.
E se o veículo derrapou por óleo na pista?
Se a derrapagem foi involuntária, não há demonstração de manobra perigosa; cabe defesa.
A multa pode virar advertência?
Infrações gravíssimas não admitem conversão em advertência.
Quantos meses dura a suspensão?
Entre dois e oito meses na primeira incidência; entre oito meses e dois anos na reincidência.
Existe desconto de 40 % no pagamento?
Sim, se o condutor aderir ao Sistema de Notificação Eletrônica e não apresentar defesa.
Conclusão
Arrancada brusca não é simples deslize: a lei relega essa conduta à galeria das infrações mais graves, ao lado da embriaguez ao volante. A multa alta, o risco de suspensão imediata e as implicações civis e criminais mostram que exibir potência do veículo em via pública custa caro e põe vidas em risco. Para quem preza a carteira de motorista, a reputação profissional e a segurança alheia, a recomendação é inequívoca: potência se prova em ambientes controlados, nunca nas ruas. Se, apesar de tudo, a autuação ocorrer, conhecer o processo administrativo e os argumentos de defesa é fundamental, mas a prevenção — por meio de direção responsável e consciente — continua sendo a melhor e mais barata estratégia.